«Voo Livre» e «Toque Suave»
foram as duas exposições de Dina Salvador que estiveram patentes, até 14 de
outubro, no Centro Cultural de Lagos. Sendo a primeira de fotografia e a
segunda de escultura, ambas as mostras elucidam bem a influência da natureza na
veia artística da bióloga marinha, que confessa limitar-se a registar e moldar
aquilo que o planeta coloca à disposição de todos, mas que apenas alguns, de
olhar mais atento e sensibilidade mais afinada, conseguem captar.
Texto: Daniel Pina |
Fotografia: Daniel Pina e Dina Salvador
Nascida em Lagos e formada em Biologia Marinha, há 13 anos
que Dina Salvador reparte o seu tempo entre Portugal e o Brasil, onde está
envolvida, desde 2004, num projeto de recuperação da Mata Atlântica, no
Recôncavo Baiano. Desde pequena que a ciência e a arte fazem parte do seu
quotidiano e a fotografia foi um dos primeiros hobbies, focada sobretudo na natureza,
arquitetura tradicional, embarcações e artes de pesca. Mais tarde, o gosto
pelas artes plásticas levou-a a reunir uma coleção multifacetada que inclui
pintura, escultura, gravura, desenho e fotografia, num total de cerca de 800
obras de 158 autores de várias nacionalidades.
Não foi de admirar, por isso, que a escultura se tenha
juntado à fotografia como forma de ocupar os tempos livres, usando como
matéria-prima madeira abandonada na natureza ou colhida em áreas ardidas. Em
Portugal trabalha essencialmente com algumas espécies do Bosque Mediterrânico,
enquanto, do outro lado do Atlântico, opta por exemplares da Mata Atlântica,
dos Manguezais e da Restinga. Duas facetas que se puderam observar nas
exposições «Voo Livre» (fotografia) e «Toque Suave» (escultura) que estiveram
patentes no Centro Cultural de Lagos, de 22 de julho a 14 de outubro. “A «Voo
Livre» é uma homenagem à zona onde me sinto mais confortável, de interface,
onde a terra acaba e começa o mar, com as arribas, os areais e as ondas. Na
«Toque Suave» tenho intervenções com madeiras colhidas nas arribas,
especialmente zimbro e tojo, e do Brasil trouxe o mata-pau, mais conhecido por gameleira
ou figueira-branca, que cresce principalmente em palmeiras e que acaba por as
sufocar e matar, comendo todo o seu interior. No início, tem formas muito
inusitadas e que permite um trabalho bastante diferenciado”, descreve Dina
Salvador.
Esta espécie de madeira não se encontra com facilidade porque os
agricultores, mal a descobrem, matam-na de imediato, antes que ela destrua por
completo tudo o que está ao seu redor. “Para além disso, não tem qualquer tipo
de aproveitamento, porque é demasiado mole e facilmente atacada pelo cupim. Tem
uma casca grossa e, quando está fresca, tem imensa cola, pega-se nos dedos, na
roupa, no chão, em tudo”, conta a escultora, recordando a primeira vez em que
se deparou com o mata-pau. “Encontrei um que tinha caído ao chão com o vento –
a palmeira já estava morta – tinha uns veios lindíssimos, tirei a casca e
apercebi-me que aquilo tinha um potencial tremendo, mas demora meses a fazer
cada peça. É extremamente complicado cortar fibra da palmeira, tem que ser
feito com uma motosserra, o que exige alguém habituado a lidar com ela por
causa dos coices. Escavar a palmeira por dentro para retirar, pedacinho por
pedacinho, sem magoar a parte exterior, é uma tarefa muito minuciosa”, garante.