É no anonimato da sua
residência que o violinista, professor e codiretor pedagógico do Conservatório
de Música de Olhão, Rui Gonçalves, desenvolve a sua outra paixão, a construção
de violinos, violetas e arcos. Um hobby, por enquanto apenas isso, que mantém
há quase duas décadas, e com mais encomendas do que aquelas a que consegue dar
resposta, porque não são muitos os luthiers em atividade em Portugal e ainda
menos os do gabarito de «R. Varrecoso G.».
Texto: Daniel Pina |
Fotografia: Daniel Pina
Diz-nos a enciclopédia que «luthier» é o profissional que
trabalha com a construção e manutenção de instrumentos musicais, uma arte que,
originalmente, estava restringida a instrumentos de corda como o violão, o
violino ou o baixo. Com o evoluir do tempo, o termo passou a abarcar profissionais
que trabalham com todos os instrumentos, seja de corda, sopro ou percussão,
mas a essência mantém-se a mesma, ou seja, a este homem, ou mulher, cabe a
responsabilidade de construir, manter e afinar instrumentos de acordo com as
especificidades de cada um.
Este ofício é desempenhado há duas décadas por Rui
Gonçalves, violinista, professor de música e um dos diretores pedagógicos do
Conservatório de Música de Olhão, sempre em torno dos violinos, violetas e
arcos. “Mais do que curiosidade em saber como eram feitos os instrumentos,
sentia uma enorme vontade em construí-los eu próprio e comecei a fazer
experiências e a frequentar alguns cursos, nomeadamente em Inglaterra.
Atualmente, há um curso profissional no Alentejo mas, naquele tempo, não havia
nenhuma oferta educativa deste género em Portugal”, conta o entrevistado,
enquanto ia trabalhando num molde na oficina que tem em sua casa, em Olhão.
No início, porém, estiveram as reparações, não se aventurou
logo na construção de raiz, apesar de, como violinista, ter perfeita
consciência do que estes músicos procuram, do que desejam num instrumento. “É
mais fácil alcançarmos o que queremos quando sabemos o que procuramos. Por
vezes não basta o ensino académico da teoria para se chegar a uma determinada
sonoridade e desempenho, é preciso ter também as ferramentas que se ganham com
a prática”, salienta, daí ter-se cingido à construção de violinos e violetas.
“As reparações destes instrumentos são caríssimas, o que também me empurrou um
pouco para este ofício, porque um estudante normal não tem posses para fazer
face a esses custos”.
Reparações que, quando um instrumento é bem estimado, não
são frequentes, aliás, há instrumentos que duram várias vidas, com 100, 200,
300 anos e em perfeito funcionamento. Por isso, depressa se instalou o bichinho
de ir mais além, de construir, um passo que deu depois de ter tirado as tais
formações em Inglaterra. “Felizmente, tenho bastantes encomendas e são
instrumentos com muita qualidade”, afirma, sem falsas modéstias. “Nos cursos
ensinam-nos a fazer um violino, não nos ensinam a fazer um «bom» violino. Cada
luthier tem os seus segredos no que toca às afinações, à acústica, à sua visão
do que deve ser o instrumento”.
Contudo, e apesar de não conseguir dar conta de todas as
encomendas que tem, Rui Gonçalves assegura que é difícil ser-se luthier a 100
por cento, pelo menos no Algarve. “Temos a Orquestra Clássica do Sul, que tem
oito violinistas, e só os estudantes mais avançados é que investem em
instrumentos de qualidade superior. Em Lisboa, Porto, Covilhã, Coimbra ou
Aveiro, onde estão os grandes polos universitários e as principais orquestras,
já seria possível ser-se luthier a tempo inteiro”, entende, lembrando que um
violino básico pode ser adquirido por menos de 100 euros. “Esses são os
mauzinhos, mesmo maus. Um violino feito por um luthier vai sempre para cima dos
quatro mil euros, portanto, só ao alcance de um músico profissional ou de um
estudante de nível avançado que quer mesmo dedicar-se à música. Para além
disso, não é normal ter-se vários violinos. Guarda-se aquele com que se
iniciaram os estudos e, quando se vai para a universidade, adquire-se um
violino de luthier, ou um antigo que tenha sido recuperado”, explica.